RIO - Há menos de um mês, veio a público um estudo sobre baratasque sentenciava: elas estão evoluindo para se tornarem impossíveis de matar. Pesquisadores da Universidade de Purdue, dos Estados Unidos , descobriram que a barata alemã , comum em todo o planeta, já nasce resistente a produtos químicos com os quais nem sequer teve contato. Ou seja, a Blattella germanica evoluiu e desenvolveu imunidade a novos venenos.
O estudo, porém, não é motivo para pânico, dizem especialistas procurados pelo GLOBO. Pesquisador do Instituto Biológico , órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Marcos Potenza afirma que a ideia de que as baratas estariam se tornando invencíveis a todo tipo de inseticida é um mito. Elas, inclusive, não mudaram muito com relação às baratas de outros tempos.
— As baratas como as conhecemos hoje são muito parecidas morfologicamente com os primeiros espécimes encontrados em fósseis de milhões de anos de idade. Atualmente são mais de 4.000 espécies descritas, e poucas se adaptaram ao convívio com o homem, sendo as principais espécies sinantrópicas a Blattella germanica (barata de cozinha) e Periplaneta americana (barata de esgoto) — explica o especialista em Entomologia Urbana.
Ele lembra que a corriqueira barata alemã "tem um comportamento intradomiciliar muito acentuado e, apesar de ter asas, não voa, fazendo com que ela dependa do homem para sua dispersão para outros ambientes". Isto é, questões como falta de higiene podem auxiliar na dispersão da espécie, o que não se dá com a barata de esgoto — "esta independe do homem para sua dispersão", diz o especialista.
Baratas resistentes tendem a aumentar
Já sobre o estudo da universidade americana, Mario Edi Sato, doutorado em Entomologia pela USP e pós-doutor pela Universidade de Nagoya, no Japão, esclarece que "o processo de evolução da resistência a inseticidas na barata alemã é semelhante ao que ocorre em outros insetos".
— As baratas, ao longo do período de evolução, vêm sendo selecionadas para sobreviver em diferentes ambientes e se alimentar de diferentes substratos. Em diversos ambientes (com diferentes alimentos) , elas acabam entrando em contato com compostos químicos semelhantes aos inseticidas comercializados atualmente. Assim sendo, quando um inseticida é lançado no mercado, já existem indivíduos resistentes a esses produtos. Com o uso frequente de inseticidas, a proporção de insetos resistentes tende a aumentar — diz Sato.
Segundo ele, no caso da barata alemã, existem 279 casos de resistência a 43 inseticidas (princípios ativos) em todo o mundo, de acordo com o Arthropod Pesticide Resistance Database, mas há poucos estudos publicados no Brasil.
— Algumas populações podem apresentar resistência múltipla, ou drjs, podem ser resistentes a vários inseticidas ao mesmo tempo — completa Sato. — O termo ultra resistente dá a impressão que as baratas são resistentes a todos os inseticidas. Algumas populações podem ser resistentes a vários inseticidas, mas não a todos.
Parte da cadeia alimentar
Marcos Potenza explica que as baratas cumprem uma função no ecossistema:
— Elas fazem parte da cadeia alimentar de várias espécies de aves, primatas, répteis, anfíbios e aracnídeos. A arquitetura achatada do corpo das baratas facilita seus movimentos de fuga na presença de predadores. Algumas espécies nativas atuam como polinizadoras.
A proliferação delas no meio urbano se dá porque encontram o mínimo de que precisam para sobreviver: abrigo e alimento.
— Portanto, higiene, conservação predial e destino adequado de resíduos sólidos e orgânicos fazem parte de medidas preventivas de controle. E ralos com tela impedem o acesso de baratas vindas da rede de esgoto — lembra Potenza.
Quanto à eficiência dos inseticidas, ele afirma que "a maior dificuldade para o consumidor está na localização dos abrigos das baratas e na correta aplicação de aerossóis e géis". Segundo ele, "no Brasil, pode-se afirmar que a solução do problema não está relacionada à falta de inseticida".